sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

NOVEMBRO DE 2008

Mês intenso, carregado de emoções: fim de ano, crianças preocupadas com as provas finais, recuperações, “bombas”, entrega da casinha do Projeto, a possível diminuição no número de crianças para 2009, gente que não conhece o trabalho falando mesmo assim -pessoas que, com maior ou menor consciência, comentam sobre a velha - e sempre importante - questão da liberdade, pessoas que não conseguem - não desejam - ver as crianças exercendo autonomia e escapando de certos controles, pessoas que não desejam ver crianças questionando o que para eles é inquestionável, pessoas que não querem crianças sendo elas mesmas porque não têm coragem para fazer o mesmo. Enfim, reatividade. Esta reação tem, por um lado, nos entristecido muito; porém, por outro, nos faz ver com mais nitidez o valor, a intensidade e a boa direção do trabalho. Estamos percebendo que enquanto o projeto era uma sementinha não eram precisos tantos cuidados, agora que é um brotinho, aflorado, é preciso protegê-lo dos predadores "naturais" e das intempéries - estas sim, naturais - que influenciam seu crescimento.

Mas, vamos em frente: trabalhamos muito – quase todos os dias era tema de roda - a questão do grupo de 2009 e a Sulamita deu a idéia que, ajustada com a colaboração de outros, foi considerada a mais justa e democrática para tratar do problema. Foi então combinado que em dezembro será realizada uma assembléia com o maior número possível de crianças e educadores. Cada um vai escolher o grupo que considerar melhor para o Projeto. Este número será definido, combinação entre todos, pelos educadores. Os critérios serão: (1) afinidades, naturalmente, e (2) quem é percebido como uma pessoa que considera o Projeto de Gente importante em sua vida, aqueles que no dia a dia fazem o trabalho se desenvolver, pode ser uma criança bagunceira, é a sua relação com o projeto que conta. É uma proposta que contempla o “sim”, não o “não”. Se houver empate entre alguns, sorteio. Assim que conseguirmos mais gente grande as vagas vão se abrindo.

Difícil solução, mas trabalhada com carinho e atenção por muitas crianças

Resolvemos também nos preparar para a eventualidade da casinha ser mesmo vendida neste verão. Em relação a esta questão - local -, temos duas opções: (1) alugar um espaço - estamos procurando algo para depois do verão (logicamente já estamos procurando desde agora); (2) pensamos - e gosto muito da idéia - em montar uma tenda de circo (idéia baseada na "Tenda dos Milagres", do Jorge Amado). Existem duas possibilidades de terreno que poderiam ser cedidos em comodato, compraríamos uma lona de circo usada e construiríamos uma casinha - talvez de sapé - para guardar objetos (um dos terrenos vem com a possibilidade de a própria proprietária fazer uma casinha de quarto, sala, banheiro e pequena cozinha)... Achamos a idéia do circo muito apropriada: marca bem a alternativa que é o Projeto de Gente; tem a cara das crianças e do próprio projeto; compartilharíamos um espaço coletivo – o que seria muito interessante na socialização e construção do respeito às atividades que se fariam concomitantemente. Está aberta a “Campanha Tá na Lona”: quem souber de uma lona de circo usada ou nova boa para doação ou com bom – ótimo, maravilhosos, o melhor – preço, procure-nos.

Este mês marcou o início das atividades da Silvana, professora de matemática na Escola Algeziro Moura, pasteleira de mão cheia, pousadeira, violeira e dona do abraço mais caloroso da Vila,... da Bahia,... do Brasil... e há quem diga de todo o mundo. No Projeto ela vai nos abraçar, cantar –está preparando um coral -, tocar e ensinar violão. Uma linda contribuição para todos nós! Bem vinda!

O bingo na Pousada Rio do Peixe foi um sucesso. Milena e Luiz demonstraram, mais uma vez, todo seu carinho com o Projeto ao oferecer as pizzas. Arcamos apenas com o custo das bebidas.

O cartaz e o convite ficaram assim:

B I N G O

A POUSADA RIO DO PEIXE convida todos para
o bingo em comemoração ao primeiro ano de
atividades do PROJETO DE GENTE em Cumuruxatiba!

22 de novembro de 2008
Às 19:00h
Na Pousada Rio do Peixe

Pizza da Paula, cerveja e refrigerante, além de 03 cartelas para o
sorteio das peças oferecidas pelas artistas Renata, Eva e Eliana


Além deste evento a Pousada É – Esther e Hans – nos ofereceram, de surpresa, a arrecadação de um bingo comemorativo do aniversário do Hans. Muito obrigado, amigos!

Vamos arrumar a casinha e fazer uma caixinha para o início do ano.

Até dezembro!

OUTUBRO DE 2008

Outubro chegou trazendo o aroma dos cajus que, por tradição, as crianças comem ainda verdes... e com sal. Do mesmo modo comem as mangas. É difícil acreditar que vão sobrar frutas para amadurecer nas árvores.

Aliás, os cajueiros e mangueiras foram palco de uma polêmica – que, de fato, acontece desde o ano passado. A maioria das crianças de Cumuruxatiba têm uma imensa habilidade para subir nas árvores, “está no sangue”, é cultural, podemos dizer.

Entretanto, podem cair – “acidentes acontecem” – e alguém levantou o perigo disto acontecer no Projeto de Gente; que, neste caso, pode ser responsabilizado. Naturalmente que já há algum tempo discutimos a questão.

E agora? Duas verdades: as crianças sobem nas árvores muito bem, gostam, sabem o que fazem, e é muito bonito vê-las usando suas habilidades. Seria, até mesmo, uma violência obrigá-las a não se empoleirarem nas árvores. Porém, por outro lado, podem cair e o Projeto é mesmo responsável por elas.

Dias e dias de conversa para que todos compreendam que precisávamos proteger as crianças e o próprio trabalho; que é legítimo o desejo de subir nas árvores; que têm a habilidade necessária para isso; e que algum adulto – fora do Projeto -, esquecido que um dia foi criança, pode não aceitar que este tipo de acidente acontecesse exatamente ali – embora eventualmente pudesse aceitar (mesmo brigando com a criança) se acontecesse na sua própria casa, no terreno baldio ou no quintal, invadido, do vizinho.

Assim, algumas regras foram combinadas e providências tomadas: foi estabelecido que nos galhos mais baixos seria possível subir, nos galhos secos e finos não pode; varas para colher as frutas sem necessidade de subir na árvore foram arranjadas.

Ao lado deste movimento tão natural – o subir nas árvores – outro foi sugerido por algumas meninas. Elas propuseram, em Roda, a realização de um desfile: o concurso Miss Projeto de Gente. A proposta foi imediatamente aceita com entusiasmo e, inclusive, a adesão de alguns meninos – para surpresa das meninas. Foi criado um grupo organizador que estabeleceu que: além da Miss e, agora, do Mr. Projeto de Gente, haveria a Miss e Mr. Simpatia; não haveria desfile de biquíni ou sunga para não haver injustiça ou vantagens já que alguns são tímidos o suficiente para não desfilar se fosse necessário usar estes trajes; foi escolhido um Mestre de Cerimônia; dois juízes – adultos -; uma corda demarcaria a passarela; e familiares seriam convidados.

Foi assim que, numa bela tarde ensolarada, á sombra da grande mangueira, realizou-se o evento. Notem que toda a organização foi coordenada pelos meninos e meninas, os adultos participaram mais efetivamente apenas da construção da passarela e, convidados, do corpo de jurados.

Sucesso, inclusive com a tradicional presença da mãe da Miss Projeto de Gente: a Neuziane; a Miss Simpatia foi a Juliene; o Mr. Projeto de Gente escolhido foi o Ioane e o Mr. Simpatia, o Douglas Costa. Tudo foi vivido com muita alegria, graça, liberdade e seriedade – uma menina chamou um educador nos bastidores para mostrar as mãos tremendo e úmidas. Também foi um bom momento para conversar sobre temas relacionados ao corpo, à sexualidade, à banalização do uso tanto de um quanto de outro; timidez; beleza padronizada e escravocrata; etc. e etc.
Outro grupo também organizou, produziu e apresentou uma “Puxada de Rede”. A Puxada é uma, já tradicional, performance cultural em Cumuruxatiba. Trata-se da adaptação de um trecho do “Mar Morto”, de Jorge Amado: um grupo de pescadores e suas companheiras apresentam cenas da realidade de suas vidas – a pesca, os conflitos conjugais, a bebida, o cotidiano das mulheres esperando seus maridos, a morte no mar.

Foi interessante acompanhar o trabalho dos que tomaram a frente dos ensaios, suas alegrias e reclamações; como lidaram com o descompromisso de um ou outro, o trabalho para arrumar roupas e instrumentos: rede, arpões, machado, os atabaques e berimbaus que pontuam os cantos do candomblé presentes em toda a encenação – aliás, a voz do cantor soou cheia de lamento e vigor nos momentos de maior dor ou alegria.

No dia da apresentação um dos componentes não pode participar e foi muito bonito perceber a solidariedade de todos com a menina que se dispôs a fazer uma substituição. Do mesmo modo houve uma linda colaboração com os atores que, nervosos, esqueciam, aqui e ali, suas falas: vozinhas eram ouvidas sussurrando a voz esquecida.

O palco foi sobre a terra do quintal, o mar levantava poeira e o céu era a copa das mangueiras, mas aqueles meninos e meninas nos levaram para a beira-mar, para dentro das biroscas, para o interior das canoas, para dentro da dor da saudade, para debaixo do céu azul e da luz dourada do sol.

Conforme comentamos no “Diário de setembro”, demos andamento à idéia da Milena e do Luiz da Pousada Rio do Peixe: preparamos cerca de 170 cartões feitos de papel reciclado e desenhados pelas crianças. Durante as conversas surgiu também a possibilidade de realizarmos um bingo em novembro com recursos revertidos para o Projeto. Estamos combinando como será.

Neste outubro aprofundamos a questão da relação entre o número de crianças e o de adultos. Muitas crianças e poucos adultos. Em praticamente todas as rodas era comentado que alguma coisa não estava bem, que havia certo descuido, que os adultos estavam mais exercendo um papel de “policiamento” do que atuando nas oficinas ou estando em contato mais contínuo com as crianças individualmente. Isto é, muitas crianças, muito movimento, muito encontro de energias, muita necessidade de estar atento aos inevitáveis conflitos,... mas poucos educadores para cumprir esta função e as demais que marcam a essência do Projeto.

Questão delicada, pois a melhor solução é, justo, a mais difícil: conseguir mais educadores para adequar a tal relação criança/adulto, profissionalizar o trabalho. Claro que é a solução também ansiada e procurada. A alternativa , compulsória, indesejada, é diminuir o grupo de crianças.

Assim fechamos outubro: refletindo sobre este problema e aproveitando os biscoitos que a Ângela doou.