terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Novembro/dezembro de 2010


Último mês do ano de 2010! 
A pedidos, resolvemos contar uma ou duas histórias, pequenas histórias com a cara do Projeto de Gente.
 Pequenas histórias.
Jogo de bola do lado de fora da casa do Projeto de Gente. Três meninos driblando uns aos outros. Dentro da casa, três meninas, sentadas no chão pois não tínhamos nenhum móvel, desenham com lápis de cor e tinta guache.
 De repente, a bola entra pela pequena janela do quarto em que elas estão e cai, justo, sobre um dos  desenhos. Por sorte não acerta os pequenos potes de guache.
 O educador que estava com as meninas chega à janela, porém, como mágica, os três meninos “desaparecem”. Cada um corre para um canto; ou melhor, dois correm para dois cantos e um para cima de uma mangueira – este não tão rápido quanto os outros.
-        Não fui eu não, “foi” eles!, já foi se defendendo.
-        Ô, cara, ninguém tá querendo saber quem foi, mas chama os outros lá.
-        “Os menino”, faz favor!, ressabiado o carinha chama os amigos. Observação: “Os menino”, “as menina”, é assim que se chama, aqui em Cumuruxatiba, um grupo de meninos e meninas – sem o s final. Também não se fala: Vem cá, por favor!, diz-se apenas: faz favor!, e já se sabe que é para chegar perto.

Os três chegam na janela, já dizendo: Não fui eu!, Não fui eu!, Não fui eu!, Não fui eu!, Não fui eu!, Não fui eu!
 -        Ninguém tá perguntando quem foi, nem é o mais importante, mas eu sei quem foi, disse o educador, bem sério.

Silêncio.

-        Foram os três, claro, ninguém estava jogando sozinho. Mas, é verdade, só um chutou a bola aqui p'ra dentro!

Hesitação. Silêncio. Entreolhares. Finalmente:

-        Fui eu!
-        VOCÊ! PARABÉNS!!!!

Surpresa.

-        Você fez o mais difícil, acertou bem na janela, uma janela pequenininha, nem bateu na trave! Beleza!

Risos meio sem graça, desconcertados. As meninas não gostam daquela fala.

-        Mas, tem um troço chato!, continuou o educador. A bola caiu bem no trabalho de uma menina aqui dentro. Venham cá, olhem!

Os três olham e ficam meio sem graça.

-        E agora, como a gente faz?

Silêncio novamente. Uma menina diz:

-        Dá um castigo nele.
-        Eu? Aqui no Projeto, não é uma pessoa que faz, sozinha, uma coisa destas. Não é o adulto que manda, é todo mundo junto que escolhe o que fazer. Mas, vá lá, qual castigo, você sugere?
-        Sei lá, três dias sem vir ao Projeto. Três não, quatro, uma semana!
-        E se acontecer de novo?
-        Ué, outro castigo.
-        E se acontecer de novo?
-        Ah!, se acontecer três vezes, expulsa!
-        Mas, os caras aí não são seus amigos? (os seis estudam na mesma escola, quatro na mesma sala) Você quer expulsar um amigo? E isto adianta mesmo, ou vai fazer o cara ficar zangado e triste?

Silêncio, de novo.

-        Será que não tem outro jeito de rolar a bola e o desenho sem problemas?
-        Já sei, a gente não joga bola aqui na frente da casa. A gente joga ali do lado. Lá tem uma mangueira na frente da janela.
-        É isso aí!
-        Então, tá combinado! Jogo de bola, pode, mas na lateral da casa. E, pensando bem, lá é até melhor porque o “campinho” é maior e tem mais cara de campinho.

E lá se foram “os menino” e “as menina” desenhar e jogar bola.

Meses depois, bons meses depois.

Acontece qualquer coisa que já não lembramos e um menino, que nem estava na história e frequentava o Projeto há pouco tempo, falou rápido:

-        Foi ele!, Foi ele!, Foi ele!

Um outro garoto diz, também rápido:

-        Ô cara, aqui no Projeto a gente não pergunta quem foi, nem fica acusando. O cara, se quiser, vai dizer. O mais importante é saber como se faz p'ra não acontecer de novo.

Outra história: dia de roda. As rodas ainda não funcionam muito bem, pois os caras não estão acostumados a decidir sua própria trajetória..

Neste tal dia, muita confusão, combinações sobre a dinâmica da roda completamente desrespeitadas. Estamos sentados na sombra, ao ar livre, a tarde é bonita, brisa suave e a roda é um tumulto. Os educadores resolvem não intervir, não reagir, vamos ver como é que isto se regula. Ficamos quietos, obedecendo à uma combinação de roda: enquanto um fala os outros escutam, e,  naquele momento, muitos falavam – nenhum sobre um assunto pertinente – e poucos escutavam. Quando esgotou-se o tempo combinado os que estavam quietos se levantaram e, simplesmente, saíram do local. A roda não rodou, parecia quadrada.

Naquele mesmo dia uma educadora voluntária, não se sentindo mais confortável, desistiu de trabalhar no Projeto. Ela escreveu uma carta que foi lida na roda seguinte. Foi importante! Muitas conversas então aconteceram entre educadores e os meninos e meninas que fizeram a bagunça e também entre os que não gostaram daquele movimento; entre estes e os “bagunceiros”; todos conversaram. Uma semana difícil, confusa, complicada, trabalhosa!

Durante esta mesma semana os seis meninos – eram todos meninos – um a um, vieram conversar sobre o que havia acontecido. Os educadores estavam com a impressão que eles estavam “se lambuzando”: quem nunca come mel, quando come se lambuza; quem nunca teve liberdade para se manifestar, quando tem se hiper manifesta. Entre a moçada a conversa era sobre quem tinha aprontado mais ou menos; alguns davam sugestões sobre o que fazer com os “bagunceiros”  -  conversar, dar um tempo, expulsar, dar um gelo. Falava-se sobre a situação, e também sobre o que fazer com os meninos.

Um momento crítico, limite! As combinações eram claras. Se alguns não queriam segui-las, não concordavam com elas, por que  não usavam o espaço apropriado – a roda – para mudá-las? E então, o que fazer, como agir?

Sabem o que aconteceu? Exatamente estes seis carinhas foram, gradualmente, ao longo daqueles dias, mudando de atitude. Todos, na roda, falaram sobre o assunto, assumindo suas responsabilidades; dois pediram para cuidar do lanche – o que era muito importante, pois o lanche é uma tentação e todo mundo deve cuidar da quantidade de biscoito que cada um deve pegar, quantos copos de suco cada um pode beber! Um momento de “responsa”, cuidar do lanche é uma “responsa”.

Um dia, um jogo de queimada estava acontecendo, um deles – um dos mais agitados – apareceu na porteira, de bicicleta, mas não entrou. Chamou um educador:

-        Faz favor!
-        Ué, você não vai entrar?
-        Agora não, tenho que fazer um trabalho para a escola, mas quero dizer uma coisa.

Silêncio.

-        O que você quer falar?
-        Eu queria dar um muito obrigado ao Projeto.

Silêncio. O educador engolindo seco.

-        Mas, por que “um muito obrigado”?
-        Porque o Projeto não desiste da gente! Depois eu volto!

E sai pedalando, correndo, deixando o educador se recompondo.

Agora, uma história dos pequenininhos. São 7 meninos e 2 meninas. Um dia, eles fazem um navio usando a mesa e os bancos. São piratas e princesas – raptadas, talvez. Não, não são piratas:
-        Eu sou o “pirrata do Carribe”!
-        Eu sou o “pilata do Calibe”!
-        Eu sou o “pi'ata do Cai'be”!

E, claro, as meninas são as “prrincesas”, “plincesas” e “p'incesas”. E viva a diversidade!!!

A celebração de encerramento das atividades do ano de 2010 foi um luxo só! Como já é tradição, quem pode trouxe alguma coisa para compartilhar. Teve gente que, trabalhando não pode comparecer, mas veio só para trazer sanduíches e torta.

A festa começou às 16hs, enfeitada com os trabalhos dos pequeninos: pinturas coletivas, desenhos das experiências vividas com os girinos, com as baleias, com o gelo derretido, com a tartaruga. Os desenhos foram, por sua vez, colocados nas paredes pelos grandes.

Gilberto Gil na caixa. Depois, Curumim Batuque deu show de bola – bem na hora em que o Fluzão também dava show e conquistava o campeonato brasileiro! Vale dizer, muito vale, que o Curumim Batuque é um grupo de percussão mantido, basicamente, pelo Walter a a Dolores e conduzido, agora, pelo João Vítor. A grande maioria de seus integrantes são frequentadores ativos do Projeto.

Depois do Curumim, noite chegando, luzes acesas e as meninas da dança afro-indígena deram uma aula. Muita combinação entre as meninas e os percussionistas e, de repente, o batuque e o movimento dos corpos tomaram conta do espaço.

Um pequeno intervalo e, súbito mas de mansinho, ouviu-se uma pequena percussão – 5 meninos – e  o som suave das 8 flautas. Era Asa Branca do Mestre Gonzagão. Percussão chegando de um lado, flautistas de outro e o encontro foi debaixo da luz da gambiarra. Não, o encontro não foi apenas debaixo da luz, o encontro foi de luz! Uma beleza! Sete canções: Asa Branca – teve bis! –, o Trenzinho do Caipira, Aquarela, Bosque da Solidão, Primavera, Alecrim.

Depois, um pouco de música brega – viva a diversidade de novo! – para todo mundo dançar e fim de festa!

Agora, nas férias, vamos trabalhar para construir as fundações da VILA ESCOLA PROJETO DE GENTE!!!





Setembro/ 2010


Setembro foi marcado pelo debate sobre a Escola Projeto de Gente. Adultos, meninos e meninas foram envolvidos pelo tema e seus variados aspectos: “será que todos que quiserem vão poder participar?”, “quem está nesta escola vai precisar ir na outra?”, “quem vier na escola do Projeto vai ter diploma que vale?”, “oba! não tem prova?”, “sei não, acho que meu pai vai ficar com medo de me colocar em outra escola!”, “vai ser uma escola paga?”, “e se eu mudar de cidade, p'ra que ano que vou?”, “a gente aprende o mesmo que na outra escola?”, “e se me perguntarem em que ano que 'tou, o que que eu falo?”, “quem vai dar aula?”, “tem aula?”, “se não tem prova, como é que faz?”, “tem presença?”, “é preciso explicar muito bem este negócio de liberdade, se não vão pensar que é bagunça!”, “onde é que vamos conseguir dinheiro para levantar a escola?”

Foi também em setembro que fomos, Ana e eu, a São Paulo. Tínhamos como metas entrar em contato com o pessoal das Escolas Democráticas, principalmente a Helena Singer; conhecer a Politeia – escola organizada pelo grupo da Helena –; procurar conhecer com detalhes as estruturas administrativa e financeira da escola; conversar sobre as questões específicas de Cumuruxatiba, etc e etc.

A viagem foi bastante proveitosa. Além da Politeia, conhecemos também a Teia Multicultural – uma escola que está se organizando democraticamente, orientada pelo pessoal da Helena e oferece Ensino Infantil e Fundamental I. A Politeia trabalha com uma moçada mais velhinha – um equivalente ao Fundamental II.

Helena Singer comentou, em São Paulo, que cooperativas têm se mostrado a estratégia mais eficiente na organização de experiências sócio-democráticas no Brasil. Isto se deve, provavelmente, à facilitação na formação de redes entre cooperativas afins; ao fato de que os gestores serão também pessoas que estarão próximas e interessadas no dia a dia da escola; além disto, os que não participam do cotidiano têm também os mesmos ideais e objetivos.

Como, por definição, uma cooperativa é formada pelo encontro de pessoas que desejam contribuir, umas com as outras, com bens e serviços, na construção de uma atividade de proveito comum e sem objetivo de lucro, em uma pequena comunidade esta é, sem dúvida, a melhor forma de associação, pois favorece a união de potências – recursos – pessoais para um fim comum. Uma cooperativa é, portanto, uma estrutura perfeitamente adequada a uma escola democrática.

Entretanto, nos parece que, a princípio, seria muito custoso criar uma cooperativa, pois já temos a Associação Projeto de Gente que, embora precisando de ajustes, já está criada.

Em Sampa tivemos a oportunidade de conhecer o projeto Escola Bairro. Percorremos com a Helena e a Lilian as várias modalidades de atividades que são desenvolvidas na Vila Madalena: oficinas de grafiti com intervenções nas praças e muros do bairro, informática, áudio- visuais, jornal, etc e etc.

Seguindo a inspiração do Birro Escola e a a ideia de cooperação, de cooperativa – operar junto, trabalhar junto –, podemos imaginar a escola, em Cumuruxatiba, ultrapassando seus limites físicos a alcançando o conhecimento que está por toda parte. O conhecimento que está na padaria, na cozinha do restaurante, na oficina de bicicleta, no posto de saúde, na pousada, no mercadinho, no bote do pescador, na roça, na aldeia pataxó, na biblioteca da vila, nas outras escolas, no cinema na praça. Podemos imaginar uma bela rede de relações entre os mestres destes conhecimentos – pessoas comuns com as quais nos encontramos a todo momento – e os estudantes da escola. Também podemos imaginar que, na medida que os responsáveis estarão escolhendo esta escola por causa de sua forma de pensar e atuar, vamos ter a chance de construir uma rede mais forte entre a escola e estas famílias. Esta rede pode criar um suporte mais vivo e ativo para os meninos e meninas da escola. Daí a sugestão de nome para esta escola: Vila-Escola Projeto de Gente.

Voltamos muito animados, depois de um estratégica paradinha no Rio para discutir com o pessoal de lá os resultados da viagem.

Tanto no Rio de Janeiro (na tal estratégica paradinha) quanto em Cumuruxatiba (principalmente durante um de nossos jantares mensais – casa de Andreia e Rico), expusemos estes aspectos, conversamos a respeito e concluímos que este era mesmo um bom caminho a seguir – ocamiho da Escola.

Pois bem, demos início ao movimento em direção à efetiva criação da escola; nesta altura já tratada como: a Vila Escola Projeto de Gente.

Este movimento incluía: (1) reunião com os pais e mães dos pequeninos – acontecida em 21 de setembro –; (2) reunião com as direções e coordenações pedagógicas das 3 escolas de Vila – realizada em 23 de setembro   –; (3) ida ao Prado para reunião com o pessoal da Secretaria Municipal de Educação – 04 de outubro.

Como resultado da reunião na Secretaria foi enviado um ofício, em 19 de outubro, solicitando ao Conselho Municipal de Educação a apreciação de nossa proposta.

Neste meio tempo escrevemos a Proposta Político-Pedagógica da Vila Escola que foi anexada ao ofício. Também neste período preparamos o regimento interno da escola. A reunião do Conselho foi adiada duas vezes (de 22 para 24 de outubro e, finalmente, para 11 de novembro). Ainda não temos o resultado desta reunião, embora, e certamente um bom sinal, tenhamos recebido uma mensagem eletrônica de uma das conselheiras avisando do adiamento da reunião e elogiando a proposta.

Como já é nossa tradição – boa tradição – trabalhamos com a certeza de que sempre devemos ter nossos planos visíveis e transparentes. Justo por conta disto, inclusive, logo quisemos um contato com as escolas da vila para, exatamente, não criar a impressão de que estávamos propondo a criação de uma estrutura inimiga. Apenas queremos oferecer uma alternativa - alternativa no mais puro sentido do termo.

Seguindo a mesma linha de conduta, pensamos em apresentar à comunidade a proposta desta escola tão diferente em relação ao que a Vila tem como possibilidade para os meninos e meninas. Vale lembrar que foi assim que agimos em 2007: durante 3 meses, realizamos encontros frequentes, muito frequentes, com as escolas, os pescadores, moradores em geral, etc. E, apenas depois de sentir  receptividade dos moradores, abrimos as portas do Projeto de Gente.

Para nós isto é muito importante na medida que acreditamos que será, mais do que qualquer outro fator, a reunião – muita união – de pessoas interessadas na proposta da Vila Escola que nos levará aos demais recursos necessários: profissionais, voluntários e recursos financeiros. E, quando dizemos interessadas, estamos nos referindo a pessoas que têm filhos e filhas em idade escolar, pessoas que, mesmo sem filhos nesta situação, apoiam a proposta por acreditar em suas metas.

Não nos iludimos quanto a complexidade da proposta que, como já dissemos, é inovadora em nossa comunidade – e mesmo em outros centros, embora e felizmente, não única. Porém, acreditamos que justamente apresentando – clareando, clareando – o trabalho podemos criar campo propício ao seu  gradual entendimento. Desta maneira também, revelando nossos conceitos, filosofia, possibilidades e limitações, estaremos evitando que as pessoas criem ilusões a respeito e contribuindo também para evitar o “ouvir falar que...”.

Falar sobre a Vila Escola pode, inclusive, abrir chances de concretização para circunstâncias que, neste momento, não são possíveis: a turma de crianças acima de 7 anos, por exemplo e especialmente para os maiores de 10. Pais e mães de meninos e meninas com mais de 7 que se interessem poderão criar a mobilização necessária para alcançarmos estes recursos. Aliás, vale dizer, este já é um acontecimento real.

Não nos iludimos também ao afirmar que a proposta de uma escola libertária será, por muito tempo, delicada, duplamente delicada. Duplamente, pois, tanto do ponto de vista pedagógico quanto do filosófico, encontraremos muita resistência. Pedagogicamente, muitos se sentirão inseguros quanto aos resultados desta instituição tão diferente das que estão acostumados a perceber como “normais”; filosoficamente pois, para muitos, é difícil trabalhar em direção à autonomia de seus filhos e filhas, na medida em que isto pressupõe questionamentos, sensação de perda de controle, além de dedos colocados em feridas que estes adultos esconderam muito bem escondidas e não desejam expor (embora sigam sentindo a dor das feridas ocultas!).

Infelizmente, via de regra, as crianças são estimuladas a obterem autonomia para satisfazer as necessidades que a sociedade solicita. A conquista de uma autonomia que os impulsione em direção à felicidade mais profunda e verdadeira exige um longo trabalho e nós, adultos, que tencionamos nos oferecer como campo para que algumas crianças alcancem esta forma de autonomia precisamos estar seguros e dispostos a ele; precisamos não nos deixar abater por julgamentos feitos de acordo com as leis do sistema vigente e que, via de regra, não admite alternativas; precisamos, serenos e pacíficos, criar e mostrar nossas próprias avaliações. Avaliações que incluem “coeficientes” de alegria, de bem estar e de prazer no desenvolvimento de cada uma de nossas crianças, “coeficientes” de alegria, de bem estar e de prazer na aquisição de conhecimentos, “coeficientes” de solidariedade, “coeficientes” que revelem pessoas menos competitivas e mais colaborativas na organização social do ser humano, “coeficientes” de compreensão e respeito às limitações pessoais e dos amigos, “coeficientes” de compreensão e aceitação das diversas formas de se ver e sentir a vida.

Até a próxima!

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Agosto/ 2010

Três anos de atividades. Três anos de erros e acertos. Três anos de aprendizado. Mais de 120 meninos e meninas passaram pelo Projeto de Gente neste período. Destes, muitos, quase todos, se sentem ainda pertencentes a este espaço. Alguns presentes com muita regularidade, outros mais distantes. Motivos do afastamento: cresceram, motivaram-se por outros movimentos, mudaram de cidade, perderam o interesse pelo que existe no dia a dia do Projeto, uma teve um filhinho, outros estão trabalhando...


O que conquistamos nestes anos? Confiança dos meninos e meninas. Apesar de termos muitas dificuldades no contato com as famílias, percebemos também – pelo fato de permitirem a ida de seus filhos - um grau importante de confiança.


O que não conquistamos? Muito; porém, o mais importante: não conquistamos uma estrutura verdadeiramente democrática. Ou melhor, os meninos e meninas não conseguiram romper suas resistências quanto ao processo democrático de conversação e negociação das questões coletivas. É certo que alguns adultos também tiveram dificuldades de abrir mão de condutas dominadoras.


O que comentaremos, a seguir, é o resultado de observações, muita conversação; também vamos escrever sobre os rumos que estamos propondo ao Projeto de Gente em Cumuruxatiba.
 O Projeto de Gente, em seu formato atual, não poderia ser de presença obrigatória, sob pena de afastar os meninos e meninas que, por conta de variadas e naturais situações, não podem garantir tal assiduidade. Foi, exatamente, a flutuabilidade na frequência cotidiana no Projeto e a percepção de que a estrutura democrática ficava comprometida sem uma participação mais estável que os educadores colocaram em pauta a transformação do Projeto de Gente na Escola Projeto de Gente.

Agora, estamos seguros de que este é um passo à frente no desenvolvimento do trabalho em direção às metas do Projeto.

Resumindo, acreditamos, ou melhor, estamos convencidos de que, por conta da natural necessidade de presença das meninas e meninos, a escola promove um:
            - Melhor campo para a  vivência da dinâmica democrática. E assim, com a prática democrática todos poderão perceber melhor o valor do comportamento solidário. Nesta circunstância, cada um aprende que é responsável por si e também pelos demais. A lei natural da cooperação e solidariedade prevalecerá em relação à lei da competitividade.
            - Melhor campo para interação e observação do Processo de Individuação de cada um dos integrantes do Projeto. Um lugar onde poderemos perceber melhor quem cada um é, e respeitá-lo em sua maneira de ser. As pessoas são semelhantes entre si; semelhantes, não iguais. Nem todos têm as mesmas habilidades, interesses ou mesmo sensibilidades absolutamente iguais. Apesar de cada ser humano possuir tudo o que outro possui, em cada um, estes elementos se organizam de maneira única, singular. É preciso que as crianças possam reconhecer sua pessoalidade – e a do outro – para, assim, perceber que nenhum é melhor – e nem precisa ser – do que ninguém. Neste lugar será possível conhecer a liberdade como uma prática onde não se faz, simplesmente, o que se quer, mas, uma prática onde se faz o que se quer junto ao outro, com o outro.
            - Oferecer uma prática pedagógica em que os estudantes definirão, com os professores, sua trajetória de aprendizado, apoiados em interesses concretos.
            - Oferecer uma alternativa à escola tradicional na qual o estudante encontra um ambiente extremamente disciplinador, com escolhas quase sempre reduzidas a cumprir – ou não – tarefas que lhe são impostas; onde precisa cumprir metas e performances estabelecidas, frequentemente, sem atenção às particularidades de cada pessoa. Um lugar onde ou cumprem estas tarefas ou serão punidos e reprovados.

Na verdade, desde 2005, temos esta convicção. Apenas não entramos em Cumuruxatiba como escola por termos percebido, depois do contato com as três escolas municipais da vila, que este não seria uma boa maneira de apresentar os conceitos e a filosofia de nosso trabalho. A atitude extremamente dedicada de alguns dos profissionais das escolas revelou o melhor caminho para o Projeto de Gente na Vila de Cumuruxatiba.

Agora, três anos se passaram; temos mais clareza do universo em que vivemos; conhecemos mais seus habitantes; sabemos mais de suas questões e necessidades; de seus anseios e peculiaridades.

Uma nova etapa se abre. Etapa carregada de trabalho e responsabilidade; porém, etapa necessária e possível.

Julho - 2010

Mês de férias. 15 dias. Os acontecimentos dos últimos meses trouxeram, com mais evidência, reflexões sobre a dinâmica cotidiana do Projeto de Gente. Os principais pontos: como fortalecer a democracia, como incrementar a divisão de responsabilidades, como mostrar que, aqui, cada um é responsável por si e também pelos demais, como trabalhar a importância da livre manifestação ao lado do outro – isto é, como viver a liberdade com o outro.

Um elemento dominou, naturalmente, o centro destas reflexões: a democracia, o aprendizado do comportamento democrático acontece na vivência cotidiana dela mesma. Para que este rito iniciático aconteça é necessário a participação efetiva dos membros da comunidade. Como já nos referimos, em outros diários, o Projeto não tem obrigatoriedade de presença. Concluímos, por vários motivos, que estabelecer esta prática levaria ao esvaziamento do trabalho. O principal motivo seria a natural reação das crianças contra tal obrigatoriedade - “já somos obrigados a ir na escola, e, agora, também neste tal de projeto!”.

Contudo, a questão que se organiza com a não obrigatoriedade é, justamente, uma vivência menos efetiva da prática democrática. Por exemplo: em certo dia a Roda, com 15 participantes, levantava importantes questões. Ótimo!, porém, como as soluções não puderam ser concluídas neste dia acontecia que, na próxima Roda, também com 15 participantes – mas, 11 diferentes da anterior –, não se conseguia fechar o assunto. Tínhamos várias primeiras Rodas!

Foi neste contexto que a possibilidade de criarmos um Escola Projeto de Gente foi ganhando força. Numa escola, constituída oficialmente, teríamos a questão da regularidade de presença naturalmente resolvida. Outro ponto vantajoso: a participação das famílias também tenderiam a ser mais natural. Mesmo do ponto de vista do principal propósito do Projeto de Gente – o acompanhamento do Processo de Individuação de cada um de seus participantes – haveria um ganho extraordinário por conta da possibilidade de estarmos mais próximos dos meninos e meninas.

Assim, começamos a conversar com a moçada sobre o que é uma Escola Democrática. Foi muito fácil perceber a adesão de muitos meninos e meninas. A princípio por conta de questões como a ausência de provas, por exemplo; mais adiante, compreendendo melhor a dinâmica desta proposta pedagógica, percebendo outras, e mais profundas, atrações.

Problemas também eram percebidos por eles: “mas, se a gente vira uma escola, o que vai acontecer com os caras que o pai ou a mãe não queiram que o filho esteja aqui?”; “será que meus pais vão concordar?”; “é uma escola paga?; “quanto vai custar?”; “dá diploma igual a outra escola?”. A moçada é esperta!

A ideia está lançada! Também começamos a conversar com os apoiadores do Projeto de Gente, aqui em Cumuruxatiba e no Rio de Janeiro.