quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Novembro/dezembro de 2009



Encerramento do ano de 2009

Em 05 de dezembro foi realizada a festa de encerramento de atividades no ano de 2009 do Projeto de Gente.

A programação: concurso de desenhos, entrega de medalhas dos II Jogos, apresentação de uma peça teatral, apresentação dos meninos e meninas do Projeto que participam do Curumimbatuque e do SerMovimento (o 1º, um grupo de percussão; o 2º, um grupo de dança afro-indígena; os dois são atividades culturais levadas a efeito pelo esforço voluntariado de algumas pessoas da vila – Walter, Rauã, Cauã, Aldo, Juliana, Lucinha, Nanda... e mais gente que não estão esquecidos, apenas não estão nomeados aqui por culpa exclusiva da estropiada memória de quem escreve!) e festa propriamente dita.

Bons movimentos se fizeram presentes logo na preparação do cenário da festa. A Nudi chegou, de surpresa, com um bonito cartaz anunciando: Festa do Projeto de Gente. Logo depois, chegou um bolo de chocolate com as letras PDG – que é como as crianças abreviam Projeto De Gente . O bolo foi patrocinado pela D. Lúcia da farmácia e preparado pela Lucinha, a das cocadas. A Gili e a Jaqueline também prepararam um belo bolo em formato de tobogã – um lado era bem mais alto do que o outro, o que provocou muito riso; outro trouxe um refri – aliás, 2, 3, 4... e a geladeira ficou cheiinha. Outro trouxe um saquinho de suco. Chegou a pipoca da Lulu, o delicioso bolo alemão da Claudia. Alguém trouxe uma torta de banana – quem foi que cometeu esta delícia? A Cristina Leme embrulhou num lindo papel – azul e verde – cheio de fiapos, uma por uma, uma montanha de balas de coco. As crianças prepararam cartazes de boas vindas e o cenário do teatro. Fiéis ao convite cada um trouxe o que pode, fez o que pode.

Aliás, o convite:

CONVITE

…..................................... e todo o pessoal do Projeto de Gente convida você para participar da nossa festa de fechamento de ano. Nesta festa cada um oferece o que pode. Tem um que traz alegria, outro uma cocada, outro um suco, outro um sorriso, outro um bolo, aquele uma gargalhada, outro ajuda na decoração, aquele ajuda no som, este aqui traz um refri. Quando cada um oferece o que pode, todos oferecem igualmente.

Dia da festa: 05 de dezembro de 2009

Hora: 2hs da tarde

Local: na sede do Projeto de Gente

Cada menino e menina colocava seu nome e, de acordo com a combinação feita, convidava duas pessoas. Foi interessante ver alguns combinando entre si para que não fosse desperdiçada nenhuma possibilidade de convidar um alguém já convidado pelo outro.

A festa começou. Concurso de desenhos. À medida que os desenhos estavam prontos a Gili e a Eliana, participantes do júri técnico, perceberam que deveria haver uma categorização por idade. Tinha gente de 07, 08 anos e gente de 15, 16, fazendo desenhos. No blog Maré da Gente já tem algumas fotos dos trabalhos e da festa.

Na hora da entrega das medalhas dos Jogos apareceu uma convidada inesperada e indesejável. Foi um problema, pois não tínhamos como mandá-la embora. E, diga-se de passagem, contrário a todos os conceitos de inclusão do Projeto de Gente, foi completamente unânime o desejo de expulsar este ser. Era a companhia de energia elétrica que sempre que aparece nos eventos da vila, não se sabe porque, não traz consigo a... LUZ!!!!! Logo naquele dia que tínhamos conseguido – o Rico emprestou – uma bela caixa de som com amplificador, microfone e aparelhagem de CD para as apresentações. Foi de lascar!

Daí, tudo que estava arrumadinho se transformou na máxima dita pelo Flávio durante os ensaios: “Luzes... Câmara... Confusão”. Mas, funcionou mesmo assim; a moçada é mesmo criativa e, tirando o estresse de um ou outro adulto, tudo aconteceu!

Mudamos a ordem das coisas na esperança de que, pelo menos na hora do teatro, chegasse a luz que, tínhamos certeza, estava tentando driblar sua opressora, a COELBA – a empresa de desenergia.

As apresentações de dança afro puderam ser realizadas contando com a astúcia da meninada do batuque – mestres na arte do ritmo e do improviso. Menos mal; aliás, para alguns, mais bom, pois a moçada tem mesmo baticumbum no espírito, no coração, pulmões, veias e artérias!

No meio da dança a Luz apareceu, ofegante em sua velocidade, mas apareceu! Palmas para o batuque, para as meninas e meninos... e também para ela – a luz.

A peça de teatro foi inspirada no trabalho do Pedro Paulo Rangel – a Soppa de Letras. Ele teatralizou letras do Chico Buarque de Holanda. No nosso humilde caso – pedindo licença aos mestres Rangel e Buarque – criamos quatro esquetes que se interligavam. No 1º, um casal separado há algum tempo se encontrava por acaso. A moça, engasgada ainda com o jeito com que aconteceu o fim do relacionamento, resolve desabafar e fala “Olhos nos Olhos”. No 2º, outro casal, separação recente, se encontra em sua antiga casa, onde agora ela mora só, para ele pegar alguns objetos que faltavam. Ele, triste, resolve também desabafar e o faz com “Trocando em miúdos”. Depois o 3º esquete, ambos se encontram num bar, em mesas separadas, com amigos. Ela e ele falam, como num jogral “Mentira” - não é este o nome da canção... Quem souber publique nos blogues!. Finalmente, todos vão para um baile de Carnaval e, na porta, os dois separados se veem, arrepiam-se e falam “Quem é você?”. Tudo termina numa festa de carnaval com direito a confete, serpentina, pierrot e colombina. Entre cada esquete um trechinho de Chico “ao vivo” cantando exatamente as tais canções.

Sentiram a importância da energia elétrica? Felizmente, ela chegou a tempo de participar. Por outro lado, os atores estavam inquietos com a possibilidade de não acontecer o espetáculo. Foi lindo o esforço de concentração deles. Nem tudo correu como no ensaio, mas o suficiente para sermos convidados a nos apresentar no verão!

Depois, muito cachorro quente, bolos, pipoca e refris.

Novembro fez lembrar, em vários momentos, uma cena do John Woo. Neste filme ele coloca um civil patrocinando o roubo de um míssil atômico. O executor da ação é um militar que, cansado, do nervosismo do civil dá um “chega p'ra lá” nele dizendo: “Cara! A vida é igual a uma batalha, nunca sai de acordo com o planejado! A gente tem que aceitar o que acontece e agir, improvisando, aceitando o que aconteceu, vivendo!”. Tirando o fato de que, nós do Projeto de Gente, somos basicamente pacifistas e, portanto, não “brigamos” por nossos planos, trabalhamos por eles, a fala do Travolta cabe como perfeito aprendizado.

Paulo Freire comenta na “Pedagogia da Autonomia”: “Ao ser produzido, o conhecimento novo supera outro que antes foi novo e se fez velho e se “dispõe” a ser ultrapassado por outro amanhã”. Infelizmente, para muitas pessoas, domesticadas pelos padrões vigentes, assustadas por demais para se arriscarem no que, de fato, sentem e pensam, o agir é predeterminado, amarrado como uma roseira que, se presa por um barbante, vai se entortando, entortando até tomar o rumo pretendido por quem quer que tenha usado o tal barbante. O rumo livre do novo que se faz velho para um novo que se fará velho estará comprometido. A simples equação da vida onde o que se organiza se desorganiza para se reorganizar está violada.

Infelizmente, esta trajetória forçada pode ser, dia a dia, confirmada nas ações dos meninos e meninas que, desde cedo – muito mais cedo do que muitos educadores do próprio Projeto de Gente puderam imaginar – , se veem coagidas, sob a possibilidade de penas severas, a adotar leis e ritmos que não são os seus próprios ritmos e leis. Meninos e meninas com seu crescimento engessado, a coluna quebrada, a vontade e o desejo esquecidos.

Assim, como as crianças, o Projeto vive em seu dia a dia acontecimentos que não eram esperados no planejamento de sua implantação e desenvolvimento. Pessoas, mesmo muito próximas mas desacostumadas ao verso de Leminski: “Nunca erro duas vezes, erro logo 3, 4, 5, 6 vezes, até o erro mostrar que o erro também tem fez” (na verdade, ele, o poeta, é mais radical e diz que apenas o erro tem vez, a gente pede licença a ele e coloca nossa crença), apontam com severidade para circunstâncias que, no mais das vezes, são conhecidas dos trabalhadores do Projeto. São de fato conhecidas, porém, outras circunstâncias – estas muitas vezes invisíveis aos que comentam, apenas conhecidas pelos trabalhadores do cotidiano – impõem uma rota imediata, urgente. E viva o cara que escreveu os diálogos do filme do Woo que nos ensina como agir, como viver estas situações!

É assim que o trabalho vai sendo levado adiante. Ainda outro dia dois educadores conversavam sobre como as qualidades de um deles poderiam estar melhor aproveitada se existisse uma pessoa disponível para fazer alguns trabalhos também essenciais para os meninos, meninas e para o próprio Projeto de Gente. Pelo fato desta tal pessoa ainda não fazer parte da equipe – falta de recursos financeiros impedem sua contratação – certos aspectos são vistos como negligenciados por gente que passa na periferia do Projeto.

Alguns dizem que devíamos fazer assim, outros assado, existem os que reclamam de um ponto, de outro. Quase sempre todos estão certos. Resta o consolo que, de modo geral, a gente sabe disto; apenas, por variados motivos, não damos conta de alcançar tudo. Aliás, não sabemos se estamos lentos, no tempo correto ou mesmo se avançados no cronograma. Cronograma?

Qual o cronograma para a descoberta, desenvolvimento e integração de um serzinho à vida? Responda rápido: você conhece a si mesmo? Está desenvolvido na medida? Integrado à vida como gostaria? Sabe nos dizer qual foi – ou é – seu verdadeiro cronograma de vida? Seu verdadeiro destino? Percebe se aqui ou ali segue um cronograma equivocado?

Desculpe, não responda rápido; responda com vagar. Leve o mês de dezembro para isto. Fim de ano, bom momento para reavaliações.

O Projeto de Gente faz seu tradicional recesso seguindo as férias escolares. Estaremos também, podem acreditar, em processo de reavaliação.

Em 2010, teremos, pelo menos uma novidade: durante as férias, este verão mais longas, teremos atividades uma vez por semana no Projeto. Será uma forma de manter contato mais próximo com a moçada que apenas voltará ao Projeto – e às aulas – em março.

Pelo terceiro ano consecutivo, saudações cumuruxatibenses e projeteanas! Um belo fim de ano repleto de reavaliações e muita coragem!