segunda-feira, 30 de julho de 2007

julho de 2007

Julho chegou e, com ele, férias escolares, turistas e... baleias. Começou a temporada de avistamento das baleias que passam por Cumuruxatiba em direção a Abrolhos – distante cerca de 125 km, a sudeste -, onde elas encontram uma boa maternidade com um ótimo berçário.

Porém, para o pessoal do Projeto de Gente, mais importante que baleias e todos os turistas foi a chegada do Lucas, filho do Alexandre, do Pedro, grande amigo de Lucas e também, dias depois, e a do Márcio, Coordenador da Associação Projeto de Gente, no Rio de Janeiro. Sobre a estada do Márcio falaremos mais adiante. Lucas e Pedro ficaram por uma semana (8 a 14 de julho). Neste período, passeamos, fomos à barra do Rio Cahy (local mais provável do primeiro encontro entre os navegantes portugueses com os habitantes da terra a que seria dado o nome de Brasil e a 15 quilômetros de Cumuruxatiba), aproveitamos o sol, o mar, conversamos e rimos muito. Uma semana de férias, podemos dizer.

Entretanto, nela, tivemos um encontro importante: com a Gilli e o Juan, ela, israelense, artista plástica, ele, argentino, artesão; ambos com experiência em trabalho com crianças na Ilha de San Andréas, Colômbia. Um casal com idéias e coragem incomuns: seus filhos têm a opção de freqüentar ou não a escola, uma vez que eles, pais, não concordam com o sistema vigente. Foram, portanto, ouvintes e “falantes” atentos à proposta do Projeto de Gente.

Nesta semana também se consolidou um planejamento estratégico para o início das atividades do Projeto de Gente. Este planejamento foi, principalmente, fruto de uma evidência que, embora já compreendida racionalmente, tornou-se cristalinamente sentida e palpável nos últimos dias.

Podemos desenhar o cenário que desejarmos para o Projeto de Gente: 20, 30, 40, 50 crianças; 3, 5, 7, 8 educadores; 15, 20 mestres e seus Projetos de Saber; horário integral; refeições desde o café da manhã até o jantar; etc. Podemos fazer isto porque a energia primordial, arquetípica, que dá vida ao Projeto está claramente definida. Porém, a forma, o protótipo, o verdadeiro e real cenário que esta energia irá organizar está diretamente relacionada com o número de pessoas que são tocadas por ela. Pessoas afinadas com a proposta do trabalho e com alguma disponibilidade de tempo para dedicar às crianças; pessoas que são nosso capital mais precioso. Pessoas que serão o campo onde, mais do que bolas, redes de jogos ou tênis de marca, as crianças poderão se manifestar e se organizar com liberdade, atenção e cuidados podendo, assim, construir autonomia, responsabilidade e reconhecer o amor-próprio.

A perspectiva de criar o cenário que mais desejamos fez com que buscássemos o real, isto é, o possível. Portanto, o plano é muito simples: iniciar as atividades do Projeto de Gente com o pessoal que ofereceu saberes, habilidades e disponibilidade de tempo.

Neste ponto, é bom lembrar que estamos, aqui em Cumuruxatiba, exatamente construindo um piloto que tem, entre outros, o importante objetivo de sensibilizar possíveis patrocinadores para que possamos pagar os trabalhadores do Projeto, adquirir material de trabalho, alimentos, etc. Neste momento, estamos organizando um movimento voluntariado – belo, generoso, mas que não deve ser responsável pela sustentabilidade do Projeto. Aliás, tampouco o patrocínio, privado ou público, será indefinidamente responsável.

Mas, vamos ao plano em linhas gerais: (1) começar as atividades em meio horário – à tarde; (2) com um educador presente integralmente neste período; (3) a princípio, enquanto ainda não tivermos percebido interesses pessoais, serão oferecidos alguns Projetos de Saber (contação de histórias, movimento corporal e jogos, construção dos móveis e pintura da casa, construção de uma oca – com a participação dos índios pataxó – e de uma casa na árvore, trabalho com cores, “para casa” comunitário, etc – já temos mestres para estas opções); (4) realização da primeira assembléia; (5) realização de rodas; (6) oferecer lanches (não almoço e jantar, a princípio) – pão, manteiga, bolo, leite (foi feito um contato com o pessoal da padaria no sentido de comprarmos estes alimentos por um preço negociado) e frutas; (7) além disto, e também fazendo parte do plano, estamos organizando encontros entre os mestres e os educadores para conversarmos sobre os conceitos mais importantes do Projeto de Gente no sentido de harmonizar mais e mais a compreensão do trabalho. (8) Nestes encontros poderemos também perceber melhor muitas questões, como, por exemplo, quantas crianças (número diretamente dependente da quantidade de pessoal trabalhador) e quais (Delicada questão. Divulgação generalizada? Iniciar com as famílias que já se interessaram?). Outro ponto do plano: (9) começar o trabalho, efetivamente, ao longo de agosto – provavelmente na segunda quinzena. Consideramos que antes não seria o mais adequado, uma vez que alguns professores das escolas de Cumuruxatiba, engajados no Projeto, estão de férias, viajando e é importante saber os horários de suas aulas no segundo semestre de 2007.

Agora, um parêntese com a cara do Projeto de Gente: em 23 de julho, fomos convidados – Daniel, Márcio e Alexandre – por um amigo pescador, o Neilton, para pescar em seu barco. Pois bem, durante esta viagem tivemos um emocionante encontro... com as baleias. Num certo momento avistamos, ao longe – quase no horizonte -, os esguichos característicos que se erguiam no ar como se fossem os mastros de um veleiro (foi esta a impressão do Marcio, o primeiro a vê-los). Depois de alguma movimentação na qual elas pareciam fugir de nós, vimos uma imensa baleia, marrom, que parecia ter um manto de limo sobre as costas, quieta na superfície do mar e, de quando em quando, soltando a grande coluna de água. Nos aproximamos lentamente. Neilton parecia pilotar com a ponta dos dedos, sensível e respeitoso. De repente, dois imensos corpos negros surgiram do fundo do mar e passaram a rodear a baleia marrom; parecia uma escolta protetora. A impressão que tínhamos, a princípio, era a de que a baleia estivesse doente; mas, com o movimento das outras, passamos a achar (desejar) que ela estava grávida. De fato, era uma baleia muito larga – lembrava um submarino à tona -, muito mais larga do que as outras. Neilton desligou o motor e, agora no silêncio, as duas e depois outra, passaram a evoluir, mergulhando, levantando a cauda, as nadadeiras laterais – imensas, brancas, muito brancas de um lado -, esguichando, levantando as cabeças e nos olhando. Um espetáculo maravilhoso, emocionante, um casamento de força e doçura, poder e mansidão. Mais tarde, conversando, soubemos que tivemos, todos, o mesmo desejo: nadar ao lado daqueles lindos animais. Um maravilhoso momento está, para sempre, gravado em nossas almas.

Não vamos fechar o parêntese para que a bela energia deste encontro se esparrame pelos outros parágrafos... e chegue até você.

Em 24 de julho, aproveitando a estada do Márcio, o coordenador da Associação e nosso arquiteto-mor, fizemos a medição e as plantas do terreno e da casinha do Projeto. Luiz Fernando fotografando e Mônica, nossa outra arquiteta, desenhando, participaram ativamente deste processo. Com isto feito vamos poder planejar alguma possível intervenção: local de uma horta, da construção da oca, por exemplo. Neste mesmo dia, Daniel podou árvores, fez lenha e rastelou o quintal. Enquanto isso, Alexandre e Luiz Fernando iniciaram a criação do
http://oprojetodegente.blogspot.com (linda novidade!)

Na quinta-feira, 26, reunimos um grupo de pessoas para discutir o plano para a implementação das atividades do Projeto de Gente....; mas agora vamos, novamente, aproveitar a presença do Márcio e passar a caneta, ou melhor, o teclado para que ele nos fale sobre este encontro e suas sensações-impressões-intuições-reflexões a respeito de Cumuru e do Projeto de Gente em Cumuru:

“Encontro. Esta palavra tem feito parte dos meus dias, há algum tempo, por variadas razões. E, tendo em vista, a perspectiva de estar no local próximo ao primeiro encontro dos que chegaram de fora com essa terra e seus habitantes, há mais de 500 anos – e talvez não só por isso -, penso que ela ganhou novos significados, trouxe fortes emoções e profundas reflexões. Tudo no delicioso ritmo Cumuruxatiba de ser, fluindo num fortíssimo contato com a natureza e suas manifestações.

Fiquei impressionado com a vasta rede de pessoas que já tinham tido contato com as idéias do Projeto de Gente, fruto do trabalho de 2 meses do Alexandre (completados hoje), obviamente construído sob a generosa oferta desta rede pelo Daniel. Pessoas de variadas origens, da terra ou de fora, com mais ou menos grana, mais ou menos integrados à comunidade que já estabeleciam algum ponto de encontro com o Projeto.

Senti-me muito bem recebido aqui, por todos. Senti-me um observador muito atendo, buscando captar tudo, dentro e fora de mim, que pudesse ampliar minha compreensão sobre essa rápida passagem por aqui e quais são as minhas reais ofertas para o Projeto em Cumuruxatiba e pra mim mesmo aqui.

Assim como as belezas de Cumuruxatiba foram se mostrando aos poucos pra mim, com os movimentos de marés, do sol e do vento, foram também se construindo os vínculos com pessoas e com o local. Aqui experimentei uma sensação de pertencimento muito forte. E foi assim que já me vi pensando no retorno ao Rio e na importância de estar lá batalhando mais por recursos pra fortalecer o Projeto aqui, e em quando voltarei e com que freqüência.

E isso só me reforça a crença de que o Projeto de Gente encontrou um campo fértil para se desenvolver saudável e feliz, sendo nutritivo e nutrindo-se dessa Cumuruxatiba que acabei de conhecer. E como parte do Projeto assim encontro-me também.

Por tudo isso agradeço profundamente a todos que pude conhecer, de quem levo um pouco da luz comigo amanhã e especialmente ao meu irmão de caminhada Alexandre, fonte de luz e força permanente.”

Depois deste belo depoimento, vamos retomar o encontro do dia 26: para um grupo de pessoas, de variadas atividades, possíveis colaboradores do Projeto: artistas plásticos, dentistas, biólogas, arquitetas e arquitetos, fotógrafos, professoras, sociólogas, apresentamos o planejamento proposto para agosto. Surgiram idéias; reafirmou-se a necessária atenção a certas questões (item 8 do plano); sugestões enriquecedoras (convite às esquecidas avós – um comum campo de mater-paternagem para muitas crianças de Cumuru; muitas delas artesãs, além de costureiras e cozinheiras. Lembrou-se do Seu Cosme, carpinteiro habilidoso e aposentado para o projeto de construção dos móveis); Helena falou sobre a importância de não perdermos a oportunidade de elaborar estes saberes do ponto de vista conceitual; combinamos um novo encontro, provavelmente em 7 dias, já com uma possível grade de mestres organizada.

Daniel e Márcio seguem para o Rio de Janeiro dia 28/07... e vida que segue... Até breve!

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