segunda-feira, 30 de julho de 2007

junho de 2007


Em 27 de maio de 2007, quando o Projeto de Gente chegou em Cumuruxatiba, sabíamos a hora – 17:30h – e que, três dias depois, haveria Lua Cheia – a segunda no mesmo mês, uma circunstância relativamente incomum e que é conhecida como a LUA AZUL; mas não sabíamos qual a direção do vento nem como estava a maré naquele momento.

Hoje, 29 de junho, são 12:30h e agora sabemos que o vento bate de leste – vento bom para trazer os pescadores na volta do mar. Porém, hoje quase ninguém saiu porque não soprou o terral – o vento que enche as velas e que sopra da terra para o mar – na madrugada e, por isto, apenas os que possuem barco – com motor – foram pescar; sabemos também que a maré está subindo; que às 15:15h estará no máximo; e que, amanhã pela manhã, quando a maré baixar, será um bom momento para pegar polvos em suas locas nas pedras – e, amanhã, ela vai baixar forte porque será noite de Lua Cheia. A segunda Lua Cheia do Projeto de Gente em Cumuruxatiba – a nossa LUA AZUL.

Em 27 de maio, ainda parado na parada do ônibus, sem saber exatamente o que fazer, a quem recorrer para ajudar a carregar a relativamente grande bagagem, vimos surgir naturalmente Nego e Mujinha – pescadores,... construtores, mecânicos – porque, aqui em Cumuruxatiba, todos têm muitas habilidades e ofícios -, amigos desde a nossa vinda em março. Eles ajudaram a carregar as malas para a casinha em cima da falésia. Carregar, descarregar... e carregar novamente porque esta primeira casinha estava habitada por, pelo menos, uma bela família de morcegos. Fomos, então, para a segunda casinha do terreno do Dr. Novaes – pai do Daniel que, gentilmente, ofereceu uma de suas casinhas para morarmos neste primeiro momento.

Nos dias seguintes, além de irmos, aos poucos, percebendo o ritmo da vida – que, aqui, acontece muito, muito próximo dos ciclos da natureza: as marés, os ventos, as estações, a chegada da baleia – fomos encontrando (e reencontrando) pessoas em um movimento de, podemos dizer, grande sincronicidade tal a facilidade e as aparentes coincidências com que os contatos foram se sucedendo.

Primeiro, as “aparições” de Nego e Mujinha que não haviam combinado nada, nem entre si e, muito menos, conosco. Na verdade, Nego havia acabado de se comunicar com Daniel – estava exatamente vindo do telefone público – para saber se viríamos de fato. Depois, no dia seguinte, almoçando no pequeno restaurante de D. Dalva – excelente cozinheira e avó do menino Lucas a quem cria sozinha, pois o pai vive em SP e que, também por isto, interessou-se muito pelo Projeto – fomos apresentados ao Marquinhos, diretor da Escola Municipal Antônio Climério (uma das três escolas municipais que atendem aos cerca de 1000 estudantes de Cumuruxatiba) e à Shirley, coordenadora pedagógica da E. M. Tiradentes. Logo depois do almoço fomos à Antônio Climério para apresentar o Projeto de Gente ao Marquinhos e à Eliana, coordenadora pedagógica desta escola. Conhecemos toda a escola que tem, mais ou menos, 300 estudantes e uma turma de crianças com necessidades especiais da qual muito se orgulham. Eles se mostraram bem animados com a perspectiva de troca entre o projeto e a escola. (foto Mujinha)

Reencontramos, já no dia seguinte, o James e a Verônica, também conhecidos da viagem de março, entusiastas e divulgadores do trabalho. Para confirmar isto, no mesmo dia, conhecemos a Helena – socióloga e cientista política – e o Luiz Fernando – designer gráfico – que moram aqui há cerca de 2 anos e foram apresentados ao projeto por James. Aliás, James é escocês e fotógrafo e Verônica, húngara de nascimento e artista plástica de profissão. Também reencontramos a Breda, professora dos pequenos na Tiradentes. Breda já havia se interessado pelo trabalho desde março, quando conversamos. Neste meio tempo ela leu o Memorial Descritivo do Projeto de Gente e manifestou muito interesse em trabalhar conosco. Uma ótima colaboradora, pois, além de ter nascido na terra, é muito querida, conhece bem as crianças e as necessidades da escola.

Mais um almoço na Dalva e conhecemos a Ana Paula, carioca e professora na E. M. Algeziro Moura. Conversamos sobre o Projeto e ela nos encheu de perguntas e comentários interessantes. Desde este momento, interessou-se por colaborar, de algum modo, conosco.

Depois o reencontro com um “velho” amigo: o Seu Messias, pedreiro, pintor, músico, poeta, conhecedor das árvores. Um dia, limpando o terreno da casinha do Projeto de Gente – que foi emprestada pelo Daniel e Letícia para ser a sede do Projeto – ouvimos Seu Messias cantando uma música, feita por ele, sobre as crianças. Neste mesmo dia, ele disse que era melhor não cortar certa madeira porque ela era boa para fazer gaiola de passarinho – o que não gostamos muito – e casinhas e curraizinhos para uma fazendinha de brinquedo – o que muito nos interessou.

Conhecemos, então, a Letícia, diretora da E. M. Tiradentes – que é a escola dos pequeninos (pré-escola e fundamental I). Conversamos bastante tempo e, ficou claro, ela é mais uma parceira do Projeto de Gente. Foi ela que nos apresentou à Rosângela, diretora da E. M. Algeziro Moura. Outra excelente conversa que resultou em novos contatos: Bia, professora de biologia, criadora de um grupo de trabalho formado por jovens e ligado ao meio ambiente; Sérgio e Lu, um casal de mineiros professores de educação física.

Uma curiosidade: depois de uma visita à Algeziro Moura; aliás, de verdade mesmo, depois de uma apresentação teatral de uma trupe de meninos e meninas, estudantes desta escola – dirigidos pela professora Adriana com muita sucata e criatividade e preocupados com o problema do aquecimento global -, percebemos a Biblioteca Pública de Cumuruxatiba aberta. Resolvemos conhecê-la e, lá, encontramos uma turma de rapazes e moças preparando o Correio do Amor para as festas de Sto. Antônio. Papo vai, papo vem e falamos sobre o Projeto. Quando dissemos que as crianças poderiam fazer os deveres de casa no Projeto, ouvimos uma vozinha vinda da sala ao lado: “Isto é bom porque quem cuida de mim é meu avô e ele não sabe ler nem escrever direito e um monte de vezes quero ajuda mas não dá pé!” Era o Rafael, 11 anos, que ainda disse que queria ser o “primeirão” no Projeto.

Por conta da boa sorte, poucos dias após nossa chegada, começavam os 13 dias de festas em homenagem a Sto. Antônio, o padroeiro da vila. Nestes dias tivemos a oportunidade de conhecer uma fila grande de gente que, perguntando o propósito de nossa estada em Cumuru assim fora de estação, se interessaram ao ouvir a resposta. Foi assim que travamos contato com: Ricardo e Andréia, o casal de dentistas, carinhosos pai e mãe do pequeno Theo, ótimas pessoas, muito ligados aos movimentos que buscam melhorar a qualidade de vida dos moradores; Mônica Vaz, arquiteta de SP; Su, gerente de uma pousada; alguns donos de pousada, como o Miguel, o Hans e a Esther.

Um dia, conversando com Rita – mulher de Nego, mãe de 5 filhos (Hygino, Marta, Talita, Esther e Carla), professora da Escola Indígena da Aldeia Cahy, dona de casa, liderança na aldeia, artesã, muito interessada no Projeto -, recebemos o convite de visitar a Cahy num dia de festa em que seria dançado o Toré (o Awé, na língua pataxó). Neste mesmo dia conhecemos D. Jovita, mãe de Rita e esposa do Cacique Timborana, uma mulher de forte personalidade e coragem, carinhosa e gentil, cuida de 6 crianças que foram abandonadas por seus familiares. Ela reiterou o convite para irmos à aldeia. (foto nego)

Fomos. Uma linda vivência: conversa com o cacique no interior de uma oca feita de pau a pique e tabatinga – uma argila que parece cimento por conta de sua cor e dureza – até a altura das janelas que, por sua vez, circundam toda a estrutura cilíndrica da construção. As janelas se abrem para dentro e para cima; deste modo, o ar circula em todas as direções. Isto, junto com o teto de sapé, cria uma atmosfera de frescor – e o sol estava a pino quando entramos para conversar. O teto é sustentado por varas de madeira que apontam para cima e para o centro da oca. Bem no meio – e no alto - elas se encontram e são presas por uma espécie de pião que as sustentam sem a necessidade de uma estaca central. Assistimos a apresentação do Toré – a dança ritualística com as crianças fazendo uma roda no interior de outra, como estivessem protegidas por esta segunda roda externa, formada por homens e mulheres. Com passos marcados, cantam músicas que falam sobre o povo pataxó, pedem proteção a Tupã e tocam marimbas (um chocalho feito de cabaça) de vários tons. Depois, almoço de índio – arroz, feijão, galinha, mandioca, farinha e água fresquinha –; banho de rio;... e alguns – muitos – micuins que adoraram o sangue, também fresquinho, dos novatos. Repetimos a dose uma semana depois em outro dia de Toré.

Mais gente: Ângela, já trabalhou na Pastoral da Criança e cria um menino de 10 anos, mais ou menos; Alexandre, o pipoqueiro das festas, mototaxista e construtor de seu próprio quiosque de praia; Alice, ex-dona de loja de roupas femininas em SP e que se interessou em trabalhar no cotidiano do Projeto; Neusivan, pescador de olhos serenos, riso franco, pai de 3 filhos e filho de Mauro – pescador e patriarca de uma grande família; Seu Oscar, velho pescador, cheio de histórias e conhecimento das coisas do mar; Eva, artista plástica; Gerliel, pescador forte e risonho; Neilton, faz mergulho de apnéia, caça submarina e, sem nenhuma arrogância, orgulhoso de suas proezas; D. Vera, professora, ótima cozinheira e mãe do esperto Guilherme de 3 anos – que adora ir para a escola; Airton, homem culto e com uma visão bem clara e original a respeito da formação da sociedade cumuruxatibana, dono de uma lan-house e professor de informática para os rapazes e moças da vila que o respeitam muito, casado com Vivi que tem um filho de 9 anos; Dondi, artesão imensamente habilidoso, carpinteiro que cria móveis a partir de madeira caída da floresta (ele, junto com 2 outros artesãos, pode vir a ser um dos mestres do Projeto, pois existe uma boa chance de que um dos primeiros Projetos de Saber seja a construção – com as crianças, os educadores e colaboradores – dos móveis da casinha-sede; Hygino (já o mencionamos: filho de Rita, mas vale a pena voltar a falar), 16 anos, cheio de habilidades e energia, músico, aprendeu violão (“... assim, só de ouvir as seqüências das notas...”) e teclado (“... é mais fácil...”), tem uma proposta de atividade para o Projeto que, por enquanto, é segredo (“... quero pensar um pouquinho mais...”); Andréia, bióloga, com um filhinho de 10 meses e que, também por isto, vem pensando muito em alternativas à pedagogia mais comum. (foto Mauro)

Como em toda sociedade, também em Cumuru, existem tensões: pessoais, políticas e sociais. Entretanto, a entrada do Projeto de Gente aconteceu, natural e simultaneamente, por diversos caminhos: (1) os pescadores, (2) pessoas que vieram de vários lugares do Brasil e do mundo, (3) professoras e professores, (4) a comunidade indígena e, por último e mais importante, (5) as crianças e jovens.

Depois destes contatos, resolvemos realizar uma reunião com as pessoas que mais se dispuseram a auxiliar na implantação do Projeto de Gente. A pauta era sobre aspectos práticos – quantas crianças, quais, horários, etc, etc. Marcamos para o dia 24 de junho. Convidamos 20 pessoas, puderam comparecer 15.

Foi uma boa reunião, produtiva, entusiasmada por parte de uns, tímida por conta de outros – houve quem veio revelar uma ou mais idéias depois do encontro. Nela também foi possível reafirmar certos conceitos do trabalho.

Ao fim deste encontro ficou claro que é absolutamente necessário formar uma equipe de trabalho. Uma equipe que representa a linha que o Projeto de Gente oferece para que, trançada com outras – familiares, agentes de mater-paternagem, escola – se forme a rede de proteção sobre a qual (e não envolvida por ela) as crianças “... empreenderão, elas próprias, a construção de seu ser...”(Antônio Carlos Gomes da Costa), o campo no qual as crianças vão poder se organizar.

Combinamos, então, novo encontro com este propósito. Foi realizado em 28 de junho. Temos, neste instante, além de Alexandre e Daniel, a Ana Paula, o Sérgio e a Alice com disponibilidade de tempo para o Projeto de Gente em Cumuruxatiba. Ainda sem tempos definidos: Breda, Mujinha, Rita – muito ocupada mas estamos organizando -, Hygino, Mônica, Andréia. James e Verônica estão em compasso de espera, pois podem, eventualmente, sair de Cumuru. Helena se propôs, com sua experiência, a fazer o registro do cotidiano do Projeto de Gente.

Ainda deixamos na alça de mira a possibilidade de realizarmos alguma atividade nas duas ou na última semana de julho. O propósito – Plano A – é começar o trabalho efetivo, em agosto, com um número de crianças dependente do número de pessoas – educadores e mestres – com disponibilidade de tempo para participar das atividades do Projeto de Gente.

Um comentário:

Marcelo Moraes disse...

Alexandre,
Já tinha olhado sua mensagem na época do envio, mas é que eu estava em viagem à trabalho e só agora estou olhando com cuidado.

Ficou legal o site, bem conciso e de primeira.

Vendo as fotos e Lendo os diários (aliais, estão mandando bem...) tenho certeza que a ambientação foi fácil, fácil, vcs. são doidos mesmo, levar trabalho para um lugar desses...

Um abraço a todos,
MM