terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Novembro/dezembro de 2010


Último mês do ano de 2010! 
A pedidos, resolvemos contar uma ou duas histórias, pequenas histórias com a cara do Projeto de Gente.
 Pequenas histórias.
Jogo de bola do lado de fora da casa do Projeto de Gente. Três meninos driblando uns aos outros. Dentro da casa, três meninas, sentadas no chão pois não tínhamos nenhum móvel, desenham com lápis de cor e tinta guache.
 De repente, a bola entra pela pequena janela do quarto em que elas estão e cai, justo, sobre um dos  desenhos. Por sorte não acerta os pequenos potes de guache.
 O educador que estava com as meninas chega à janela, porém, como mágica, os três meninos “desaparecem”. Cada um corre para um canto; ou melhor, dois correm para dois cantos e um para cima de uma mangueira – este não tão rápido quanto os outros.
-        Não fui eu não, “foi” eles!, já foi se defendendo.
-        Ô, cara, ninguém tá querendo saber quem foi, mas chama os outros lá.
-        “Os menino”, faz favor!, ressabiado o carinha chama os amigos. Observação: “Os menino”, “as menina”, é assim que se chama, aqui em Cumuruxatiba, um grupo de meninos e meninas – sem o s final. Também não se fala: Vem cá, por favor!, diz-se apenas: faz favor!, e já se sabe que é para chegar perto.

Os três chegam na janela, já dizendo: Não fui eu!, Não fui eu!, Não fui eu!, Não fui eu!, Não fui eu!, Não fui eu!
 -        Ninguém tá perguntando quem foi, nem é o mais importante, mas eu sei quem foi, disse o educador, bem sério.

Silêncio.

-        Foram os três, claro, ninguém estava jogando sozinho. Mas, é verdade, só um chutou a bola aqui p'ra dentro!

Hesitação. Silêncio. Entreolhares. Finalmente:

-        Fui eu!
-        VOCÊ! PARABÉNS!!!!

Surpresa.

-        Você fez o mais difícil, acertou bem na janela, uma janela pequenininha, nem bateu na trave! Beleza!

Risos meio sem graça, desconcertados. As meninas não gostam daquela fala.

-        Mas, tem um troço chato!, continuou o educador. A bola caiu bem no trabalho de uma menina aqui dentro. Venham cá, olhem!

Os três olham e ficam meio sem graça.

-        E agora, como a gente faz?

Silêncio novamente. Uma menina diz:

-        Dá um castigo nele.
-        Eu? Aqui no Projeto, não é uma pessoa que faz, sozinha, uma coisa destas. Não é o adulto que manda, é todo mundo junto que escolhe o que fazer. Mas, vá lá, qual castigo, você sugere?
-        Sei lá, três dias sem vir ao Projeto. Três não, quatro, uma semana!
-        E se acontecer de novo?
-        Ué, outro castigo.
-        E se acontecer de novo?
-        Ah!, se acontecer três vezes, expulsa!
-        Mas, os caras aí não são seus amigos? (os seis estudam na mesma escola, quatro na mesma sala) Você quer expulsar um amigo? E isto adianta mesmo, ou vai fazer o cara ficar zangado e triste?

Silêncio, de novo.

-        Será que não tem outro jeito de rolar a bola e o desenho sem problemas?
-        Já sei, a gente não joga bola aqui na frente da casa. A gente joga ali do lado. Lá tem uma mangueira na frente da janela.
-        É isso aí!
-        Então, tá combinado! Jogo de bola, pode, mas na lateral da casa. E, pensando bem, lá é até melhor porque o “campinho” é maior e tem mais cara de campinho.

E lá se foram “os menino” e “as menina” desenhar e jogar bola.

Meses depois, bons meses depois.

Acontece qualquer coisa que já não lembramos e um menino, que nem estava na história e frequentava o Projeto há pouco tempo, falou rápido:

-        Foi ele!, Foi ele!, Foi ele!

Um outro garoto diz, também rápido:

-        Ô cara, aqui no Projeto a gente não pergunta quem foi, nem fica acusando. O cara, se quiser, vai dizer. O mais importante é saber como se faz p'ra não acontecer de novo.

Outra história: dia de roda. As rodas ainda não funcionam muito bem, pois os caras não estão acostumados a decidir sua própria trajetória..

Neste tal dia, muita confusão, combinações sobre a dinâmica da roda completamente desrespeitadas. Estamos sentados na sombra, ao ar livre, a tarde é bonita, brisa suave e a roda é um tumulto. Os educadores resolvem não intervir, não reagir, vamos ver como é que isto se regula. Ficamos quietos, obedecendo à uma combinação de roda: enquanto um fala os outros escutam, e,  naquele momento, muitos falavam – nenhum sobre um assunto pertinente – e poucos escutavam. Quando esgotou-se o tempo combinado os que estavam quietos se levantaram e, simplesmente, saíram do local. A roda não rodou, parecia quadrada.

Naquele mesmo dia uma educadora voluntária, não se sentindo mais confortável, desistiu de trabalhar no Projeto. Ela escreveu uma carta que foi lida na roda seguinte. Foi importante! Muitas conversas então aconteceram entre educadores e os meninos e meninas que fizeram a bagunça e também entre os que não gostaram daquele movimento; entre estes e os “bagunceiros”; todos conversaram. Uma semana difícil, confusa, complicada, trabalhosa!

Durante esta mesma semana os seis meninos – eram todos meninos – um a um, vieram conversar sobre o que havia acontecido. Os educadores estavam com a impressão que eles estavam “se lambuzando”: quem nunca come mel, quando come se lambuza; quem nunca teve liberdade para se manifestar, quando tem se hiper manifesta. Entre a moçada a conversa era sobre quem tinha aprontado mais ou menos; alguns davam sugestões sobre o que fazer com os “bagunceiros”  -  conversar, dar um tempo, expulsar, dar um gelo. Falava-se sobre a situação, e também sobre o que fazer com os meninos.

Um momento crítico, limite! As combinações eram claras. Se alguns não queriam segui-las, não concordavam com elas, por que  não usavam o espaço apropriado – a roda – para mudá-las? E então, o que fazer, como agir?

Sabem o que aconteceu? Exatamente estes seis carinhas foram, gradualmente, ao longo daqueles dias, mudando de atitude. Todos, na roda, falaram sobre o assunto, assumindo suas responsabilidades; dois pediram para cuidar do lanche – o que era muito importante, pois o lanche é uma tentação e todo mundo deve cuidar da quantidade de biscoito que cada um deve pegar, quantos copos de suco cada um pode beber! Um momento de “responsa”, cuidar do lanche é uma “responsa”.

Um dia, um jogo de queimada estava acontecendo, um deles – um dos mais agitados – apareceu na porteira, de bicicleta, mas não entrou. Chamou um educador:

-        Faz favor!
-        Ué, você não vai entrar?
-        Agora não, tenho que fazer um trabalho para a escola, mas quero dizer uma coisa.

Silêncio.

-        O que você quer falar?
-        Eu queria dar um muito obrigado ao Projeto.

Silêncio. O educador engolindo seco.

-        Mas, por que “um muito obrigado”?
-        Porque o Projeto não desiste da gente! Depois eu volto!

E sai pedalando, correndo, deixando o educador se recompondo.

Agora, uma história dos pequenininhos. São 7 meninos e 2 meninas. Um dia, eles fazem um navio usando a mesa e os bancos. São piratas e princesas – raptadas, talvez. Não, não são piratas:
-        Eu sou o “pirrata do Carribe”!
-        Eu sou o “pilata do Calibe”!
-        Eu sou o “pi'ata do Cai'be”!

E, claro, as meninas são as “prrincesas”, “plincesas” e “p'incesas”. E viva a diversidade!!!

A celebração de encerramento das atividades do ano de 2010 foi um luxo só! Como já é tradição, quem pode trouxe alguma coisa para compartilhar. Teve gente que, trabalhando não pode comparecer, mas veio só para trazer sanduíches e torta.

A festa começou às 16hs, enfeitada com os trabalhos dos pequeninos: pinturas coletivas, desenhos das experiências vividas com os girinos, com as baleias, com o gelo derretido, com a tartaruga. Os desenhos foram, por sua vez, colocados nas paredes pelos grandes.

Gilberto Gil na caixa. Depois, Curumim Batuque deu show de bola – bem na hora em que o Fluzão também dava show e conquistava o campeonato brasileiro! Vale dizer, muito vale, que o Curumim Batuque é um grupo de percussão mantido, basicamente, pelo Walter a a Dolores e conduzido, agora, pelo João Vítor. A grande maioria de seus integrantes são frequentadores ativos do Projeto.

Depois do Curumim, noite chegando, luzes acesas e as meninas da dança afro-indígena deram uma aula. Muita combinação entre as meninas e os percussionistas e, de repente, o batuque e o movimento dos corpos tomaram conta do espaço.

Um pequeno intervalo e, súbito mas de mansinho, ouviu-se uma pequena percussão – 5 meninos – e  o som suave das 8 flautas. Era Asa Branca do Mestre Gonzagão. Percussão chegando de um lado, flautistas de outro e o encontro foi debaixo da luz da gambiarra. Não, o encontro não foi apenas debaixo da luz, o encontro foi de luz! Uma beleza! Sete canções: Asa Branca – teve bis! –, o Trenzinho do Caipira, Aquarela, Bosque da Solidão, Primavera, Alecrim.

Depois, um pouco de música brega – viva a diversidade de novo! – para todo mundo dançar e fim de festa!

Agora, nas férias, vamos trabalhar para construir as fundações da VILA ESCOLA PROJETO DE GENTE!!!





2 comentários:

BEGARA disse...

Para Refletir:
Será que a perda de uma criança tem o mesmo valor para O PROJETO do que a perda de um educador.
E se algum dia não tivermos perdido nenhuma criança,mas tivermos perdidos todos os educadores.

FELIZ NATAL E MUITAS FELICIDADES PARA
TODOS
BEGARA

Gustavo Cavalcanti disse...

Anos se passam, antes que a gente perceba a importância de aprendermos com os nossos próprios erros.

A beleza, humildade e sinceridade de assumirmos nossos próprios erros pois somente assim aprenderemos com os mesmos.

Ainda mais belo é aprendermos com os erros dos outros, não errarmos e não deixarmos que errem.

Com certeza "os menino" aprenderam.

E eu, eu refleti muito e tentarei aprender com as histórias, que para mim foram lições.

Parabéns!

Gustavo Cavalcanti